AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NOS ODÙS

Com o passar do tempo muito se tem escrito sobre a verdadeira função do sacerdote dentro da religião afro-brasileira, mas a impressão que eu tenho é que quase nada foi esclarecido. Um Babalawo ou um Babalòrìṣà é confundido com um proprietário da pessoa iniciada. As confusões acontecem ou por parte de quem é iniciado ou por quem inicia. É muito comum ouvir em minhas palestras perguntas sobre a relação de pais e filhos ou irmãos na casa de Òrìṣà.

Algumas pessoas acreditam que se forem iniciadas pelo mesmo sacerdote que iniciou o seu cônjuge a situação caracteriza um incesto, isso nos leva a seguinte pergunta somos católicos ou pertencemos a Religião Yorubá (Èsìn Yorùbá)? Qual é a nossa verdadeira religião?

Uma grande quantidade de pessoas iniciadas em Òrìṣà ainda seguem preceitos católicos ou orientações espiritas por desconhecer os versos de Ifá, não sabem que dentro desses versos existem as normas de comportamento que orientam os iniciados e o seu comportamento diante de Olodùmare.

Eu escuto todo tipo de pergunta. É melhor assim, pior seria se as pessoas não perguntassem. Continuassem com suas dúvidas. Acredito que devemos dividir informações.

Existe algumas coisas que devem ser esclarecidas, uma pergunta frequente é relativa a preceito, sexo e pecado. No Odù Oworin Ofun fala que o sacerdote não deve fazer sexo com sua esposa naquele dia, ele está comprometido com os rituais. Todos as orientações de comportamento podem ser encontradas nos versos de Ifá. No Odù Osa Otura fala que devemos sempre falar a verdade; No Odù Ogundakete, diz que não devemos roubar.

Um texto de Ifá muito conhecido do Odù Osetura fala da importância das mulheres, do respeito que os homens devem manter por suas esposas, filhas e por suas mães. Outro texto do Odù Ofun Meji diz que o iniciado em Ifá deve ver Iya Odù e se tornar um Babalawo. Já no Odù Ogbe Meji fica claro que a principal esposa de Òrúnmìlà só pode ser cultuada por quem passou por um ritual chamado Ipanadu (cerimonia que o awo se torna um Babalawo, momento que se apaga a luz para ver Odù).

No Odù Ogbe Yonu fala sobre a relação financeira do homem e a família da esposa, diz que até o casamento todas as despesas da mulher devem ser mantidas pela família, mas depois do casamento o marido não deve deixar que a mulher passe necessidades – a manutenção da casa é responsabilidade daquele que assumiu a relação diante da família. Ainda no Odù Ogbe Yonu, vamos encontrar dados referentes ao casamento de um Babalawo. Nesse Odù diz que não deve haver a separação e nem o adultério, que as pessoas deveriam antes de assumir uma relação pensar bastante, fala ainda que aquele que escolheu viver com uma única mulher deve respeitá-la e protegê-la. Ainda nesse Odù vamos encontrar uma advertência contra o uso de magia maléfica contra o cônjuge, nesse caso Ifá vai se lançar em sua defesa e não sabemos o que pode acontecer; Nesse Odù diz que o Babalawo deve ter uma postura digna e não deve se envolver com outras mulheres[1], a punição para o sacerdote que não cumprir essa orientação diz Ifá: (que ele nunca vai atingir o sucesso em seu trabalho).

O Odù Ogbeyonu fala da punição do Babalawo que desejar a mulher de outro awo. Diz Ifá que aquele Babalawo, ou iniciado em Ifá que se deitar com a mulher de outro awo, não deve ver outro amanhecer.

No Odù Ogbe Meji, a necessidade do comportamento digno é enfatizada de tal forma que a punição seria o infortúnio, a falta de sucesso e o total esquecimento, o abandono do sacerdote, suas orações não devem ser ouvidas. Essa é uma das punições mais temidas, a relação homem Òrìṣà deixa de existir.

No Odù Obara Egutan, encontramos em detalhes a relação de um Babalawo com a sua Apetebi. Nesse verso de Ifá diz: a escolha da esposa de um Babalawo é apontada por Ifá quando ela nasce. Existem vários Odùs que indicam essa relação, assim como também existe uma identificação bem clara nos versos de Ifá sobre quem deve se tornar um Iniciado e quem deve se tornar um Babalawo, ver Odùs: Ogbe Meji, Oturupon Meji, Irete Meji, Iwori Meji etc.

No Odù Oworin Sindin aparecem algumas indicações sobre a necessidade do homem cumprir o seu destino. Assim como no Odù ogbe Ogunda fala do cuidado com o Ori e a relação do homem com o destino por ele escolhido, tendo como testemunho Òrúnmìlà. Isso nos remete a uma reflexão encontrada no Odù Ogbe Meji: nenhum homem deve se comprometer com um Òrìṣà antes de conhecer o seu destino. Essa afirmação indica claramente que o homem deve conhecer a indicação de Ifá para ter uma orientação sobre a sua vida religiosa. Não é o homem que escolhe o Òrìṣà, é Ifá quem indica os Òrìṣà que devem ser cultuados.

No Odù Obara Kosun fala da punição violenta caso o iniciado não respeite o seu sacerdote e vice-versa. O respeito deve ser mantido a qualquer custo assim como a segurança da egbe (família). O sacerdote deve usar todos os recursos que possui para proteger a sua família, dele será cobrado à omissão. Ainda no Odù Obara Kosun, Ifá alerta sobre o uso do Opẹlẹ, quem pode usar e sobre a remuneração. Aquele que não usar o Opẹlẹ com dignidade jamais vai ver o sucesso. Nesse verso Ifá deixa claro que um sacerdote não pode mentir e usar um instrumento de consulta em seu benefício, jamais será aceito qualquer tipo de mentira usando o nome de Ifá.

O Odù Ogbe Alara fala de Iwa (caráter). A indicação é clara nesse Odù – a necessidade de manter uma postura reta, faz parte do dia a dia do iniciado, temos a obrigação diante dos Òrìṣàs de manter um comportamento que honre toda nossa família e nossos antepassados. Independente de nossa idade, a juventude não é desculpa para o erro. A pouca idade é característica que indica a inocência e não a má conduta. Fica bem clara no verso do Odù Ofun Ose que diz: é preferível um sacerdote jovem e honesto que um velho sem caráter.

Nos versos de Ifá vamos encontrar inúmeras recomendações de comportamento, inclusive referente à higiene. No Odù Ose Odi consta uma relação bem clara sobre a necessidade de se manter limpo e com o corpo asseado. Ainda nesse Odù diz Ifá: o homem tem responsabilidade com seus filhos até que possam se manter, encontrar uma ocupação e ter sua renda; É responsabilidade dos pais manter os filhos menores.

O Odù Obara Kosun, em seus textos indica que a pessoa que foi iniciada no culto aos Òrìṣàs ou no culto a Ifá deve fazer oferendas às divindades e manter os seus assentamentos em ordem e limpos – o Ose (limpeza semanal) é responsabilidade do iniciado e não do sacerdote.

Ainda falando do comportamento de um Babalawo, diz Ifá no verso do Odù Ofun Gbadara que as coisas de Ifá não devem ser comercializadas por um Babalawo (um Babalawo não deve ser um comerciante). Nesse mesmo Odù diz que aquele que lhe prestou um favor, lhe deu uma ajuda e deve ser recompensado. Sendo assim, todo trabalho espiritual tem que ser remunerado. Se não for assim, como o sacerdote vai poder manter os seus assentamentos e continuar atendendo as necessidades dos que o procuram.

O Odù Ofun Nagbe fala da prosperidade do Sacerdote, fala que aquele que trabalha corretamente terá uma vida tranquila, assim como aquele que possui Ikin nunca lhe faltara o alimento (Odù Idin Ka).

Um verso do Odù Ogunda Ogbe orienta sobre o dia do Ose semanal, um dia da semana deve ser reservado para cuidar dos Òrìṣàs. Nesse dia, os assentamentos dos Òrìṣàs devem ser limpos. Já no Odù Okanran Obara a orientação é sobre o assentamento de Egungun e diz Ifá: aquele para quem aparece esse Odù deve manter viva a imagem de seus antepassados, essa pessoa deve ser iniciada no culto a Egungun e deve honrar todos de sua família com um assentamento que deve ser mantido sempre limpo e bem cuidado. É obrigação dessa pessoa escolher um sucessor que irá manter esse assentamento para que esse culto não deixe de existir.

No Odù Iwori Meji fala sobre fazer magias para quem não tem como se defender, sobre o uso do conhecimento de um sacerdote contra quem não merece tal atitude, diz Ifá: aquele que ataca um inocente a maldade e a destruição voltariam para prejudicá-lo.

No Odù Osa Meji está bem claro que não devemos julgar o nosso semelhante, só Ifá pode saber o futuro de cada pessoa, diz Ifá: um Ori coroado não pode ser reconhecido por um ser humano, só Ifá identifica o Ori que será beneficiado. Ou seja, não devemos menosprezar ninguém.

O Odù Oturupon Ofun fala sobre o suicídio, e que não é permitido à ninguém essa prática, Só Ifá sabe e pode mudar o dia da morte. Ainda nesse Odù diz Ifá: à longevidade não é encantamento, devemos nos afastar de tudo que possa diminuir o tempo de nossa vida, devemos fazer tudo para alcançar a longevidade.

No Odù Ogbeyonu, Ifá é bem claro não devemos ser arrogantes dentro da relação afetiva, devemos buscar o companheirismo como forma de melhorar os relacionamentos.

Em Ika Ogunda, Ifá fala sobre a necessidade de orar para obter sorte e prosperidade, o homem deve manter suas orações como forma de disciplina e humildade. Nesse Odù, assim como no Odù Ogbe Ogunda, diz: o horário de fazer as orações preferencialmente pela manhã logo que acordamos.

O Odù Osetura, diz não devemos nos exibir, devemos manter uma vida regrada e sem exageros; um homem não deve discriminar uma mulher e uma mulher não discriminar um homem, um velho jamais deve ser discriminado por jovem da mesma forma que um jovem não deve ser discriminado por um mais velho – o respeito deve existir indiferente da idade ou sexo.

No Odù Otura Irete, Ifá diz: a bondade deve ser cultivada como forma de gratidão. A bondade deve ser praticada, não devemos ser ingratos, só Ifá sabe se não vamos necessitar em um futuro da ajuda de quem nos beneficiou no passado, não devemos desfazer de quem um dia nos ajudou.

O Odù Otura Ofun deixa bem claro a necessidade de manter os ebós indicados por Ifá, se uma pessoa consulta, toma conhecimento do problema e não faz os ebós indicados a responsabilidade deixa de ser do sacerdote.

No Odù Òtúrúpon Otúa, fala sobre a necessidade do sacerdote estudar e ter conhecimento para honrar seus antepassados com sua capacidade, diz Ifá: é responsabilidade do iniciado, assim como do sacerdote, o aprendizado. A capacitação daquele que abre as portas para o atendimento é uma responsabilidade assumida diante de Ifá, todo ato praticado dentro da casa de Òrìṣà tem que seguir a orientação dos versos de Ifá; no Odù Iwori Otura, fala sobre a disciplina dos estudos e a educação do iniciado em Ifá deixando bem claro que devemos nos dedicar para obter uma educação adequada. O Odù Irete Ofun fala do estado de perfeição e o alinhamento com OlOdùmare se não somos perfeitos devemos buscar a melhor forma de se assemelhar com a perfeição.

O Odù Iwori Ofun fala do respeito que temos que manter por todas as pessoas. Se queremos ser respeitados, devemos respeitar todas as pessoas sempre. A vida é um benefício recebido das mãos de OlOdùmare e cabe a nós tornar digno o viver.


[1] Com respeito ao número de esposas, o Babalawo deve seguir a orientação do seu Odù e buscar uma forma de respeitar a cultura local, podemos tomar como exemplo o Odù Oyeku Meji onde Ifá diz que aquele nascido sobre esse signo só pode ter uma esposa. É evidente que também podemos considerar a leis de cada país, no Brasil é crime manter-se casado com mais de uma pessoa.