No presente material abordaremos um dos Òrìṣà mais venerados na sua terra de origem, assim como é no novo mundo. Poucos Òrìṣà tem a popularidade que tem Osun. Para começar, devemos compreender a natureza essencial deste Irunmole, já que no novo mundo os Òrìṣà permaneceram no tempo, mas sua cultura se viu sumamente modificada por questões diversas, sobre tudo, se denota muito sincretismo tanto cristão como de muitas outras vertentes, conservando assim o culto, porém, adulterando suas formas, conceitos, e até mesmo a própria funcionalidade dos Òrìṣà. Nesse sentido Osun não foi a exceção.
Osun na cultura Yoruba é vista como a fonte de vida, aquela força da natureza que permite a sustentação do planeta, já que é sabido que o elemento mais essencial para a vida é a água. Aqui já pode ser apreciada a importância do Òrìṣà, Osun por ser um Òrìṣà colorido, alegre, e muito carismático em suas histórias e mitos. A figura mulher, terminou por ofuscar a parte divina, levando a este poderoso Irunmole até um lugar mais profano e em alguns casos até ridículo. Isso com o tempo permitiu o afastamento da essência em si e da razão de culto.
Osun como foi mencionado anteriormente é um Irunmole, segundo os versos de Ifá ela seria a primeira Irunmole feminino que teria vindo do Orun para o Aye. Isso ocasionou problemas entre os demais Irunmole que vinham junto, eles não a respeitavam como parte do grupo, não percebendo a importância de sua missão. Ela decidiu se afastar do grupo de forma pouco harmoniosa, em um primeiro momento os demais Irunmole não deram importância a esse fato, mas com o passar do tempo eles começaram a ver que as coisas já não estavam dando certo, então eles consultaram Ifá, e o Odu que se revelou foi Ose Otura.
No Odu Ose Otura Ifá diz:
Konkoro awo nile Ewi Alado
Orun mu dede kanle awo ode Ijesa
Alakan ni nbe lodo ni n lu
Akaaya pepepe
A día fun Irunmole ojukotun
A bu fun Irunmole ojukosi
Won ntorun sile aye
Won lagbo oro won lagbo opa
Won lana gboooro tese nto
Won gbimo won o fi t´osun se
Won peegun eegun o je
Won pa gboro, oro o gba
Won gunyan iyan won lemo
Won rokaroka oka won ro betebete
Gbogbo ohun ti won n se o juse
Won pada
Won to Olodumare lo
Olodumare ni Obinrin ti nbe ninu won n ko
Nje won ke si
Won lawon o ke si
Olodumare ni ki won lo ree si osun
Agberegeje ajuba
Ajuba naa aboju agberegeje
A día fun Osun sengese olooya iyun
Ti n gbe ni ikoko ti yoo maa bebo Irunmole je
A wa fi mo je ta f´Osun nigba yi o
Iye wa taa pe nimo
Gunyangunyan ode ido obinrin ni
Rokaroka ode iluka obinrin ni
Iye wa taa pe nimo
Osun amomo fimo je tire o
Osun monde je ki ebo o da felebo
Osun oore yeye, Omi o, Ota o, Ide o, agba o.
Tradução:
Konkoro o Awo do Ewi de Ado
Orun mu dede kanle o Awo de Ijesa
O caranguejo do rio faz barulho com suas pinças, pepepe
Se consultou Ifá para os Irunmole da direita
Também para os Irunmole da esquerda
Quando eles estavam vindo do Orun para o Aye
Eles passaram pelo mato de Oro e Opa
Abriram o caminho para os pés passarem
Eles combinaram não envolver Osun nas suas decisões
Agora, quando batiam o Inhame, o inhame tinha caroço
Faziam farinha de inhame, e a farinha não dava para se comer
Todos seus esforços foram inúteis
Eles voltaram para Olodumare
Olodumare perguntou:
Onde está a mulher entre vocês?
Vocês deram participação?
Eles falaram que não deram participação
Olodumare diz:
Vocês voltem e acalmem a Osun
O amplo começo
O começo e igualmente amplo
Consultaram Ifá para Osun sengese a dona do peite de coral
Quem estava secretamente destruindo os sacrifícios das outras divindades
Agora nós respeitamos a Osun
As divindades respeitamos você
Osun nós respeitamos você
Quem bate o inhame em Ido é uma mulher
Quem vende a farinha de inhame na cidade de Ika é uma mulher
Nossa mãe, a personificação do conhecimento
Nós, as divindades reconhecemos você
A grade Osun permita que o sacrifício seja aceito
Osun a mãe bondosa, a água, a pedra, o bronze os tambores agba.
Como mostra o verso acima, o poder de Osun é muito, ela é responsável pela fecundidade do mundo, sem Osun nenhum sacrifico é aceito, sem Osun o mundo é infértil e a vida acabaria. Na verdade, a principal funcionalidade deste Irunmole é essa. Em Ifá temos outra instância nos versos sagrados, que reafirma essa questão, onde Osun já como Òrìṣà (Encarnação divina) não podia ter filhos.
Sobre isso, o Odu Ifá Ogbe Hunle fala assim:
Ogbe hunle eleku
Ogbe hunle eleja
Ogbe hunle eleye
Ogbe hunle eleran
Ogbe alaya gbirin bi e n kan eruko
A dia fun Osun sengese olooya iyun
Nigba ti n momi soju sugbere t´omo
Ebo ni won ni ko se
O gbebo nibe o rubo
Nje, subo o
Afideremo
Osun onibu ore
Osun de olomo yoyo
Ile osun o gbagan
Tradução:
Ogbe hunle é o dono dos ratos
Ogbe hunle é o dono peixes
Ogbe hunle é o dono das aves
Ogbe hunle é o dono dos animais
Ogbe hunle é quem tem o peito forte como o ferro e delgado como um bastão
Foi quem consultou para Osun sengese olooya iyun
Quando ela chorava muito por não ter filhos
Eles aconselharam fazer ebo
Ela ouviu e o fez
Agora, tem muito
Ela colocou bronze em seus filhos
Osun a dona do riacho de benção
Osun venho com abundantes filhos
Se algo podemos resgatar dos versos anteriores é que Osun como Irunmole, fez com que a criação se equilibre para começar a fertilidade, e como mulher divinizada (Òrìṣà) sua razão de existência foi ser o exemplo de maternidade. Um aspecto e outro se relacionam de forma harmônica, em seus Oriki, Osun é descrita como aquela que possui abundantes filhos, aquela que banha seus filhos, aquela que adorna seus filhos com bronze, aquela que enterra búzios na areia para seus filhos acharem. Não deve existir, ao menos no meu humilde conhecimento, um Òrìṣà que seja tão objetivo e protetor com seus filhos com Osun.
Em outra história sobre Osun, observamos que ela se relacionou com Orunmila, em umas das excursões de Ifá na terra de Osogbo. A razão da união deles foi a mesma, poder ter filhos.
Sobre isso, Ifá fala assim no Odu Idin Ileke:
Ibante niwaju
Okun lehin
A dia fun Okokoro
Tii se oko Osun
Emi ni le se, emi ni yo da
A día fun Orunmila
Baba nlo ree gba Osun lowo Okokoro
Irinwo efon, egberin iwo
Ogoji imale, ogorin bata
Ogorun onisango, igba seere
A día fun Lubelube
Tii s´omo lode Osogbo
Ti o lo ree wo si ile Alare Ountoto
Alare Ountoto, omo a berin bi eni fibu su
Omo a bukan gedegbe te koko
Tradução:
Avental na frente
Cordão por trás
Consultaram Ifá para Okokoro
O esposo de Osun
Que pode fazer, o que irei a fazer?
Consultaram Ifá para Orunmila
Quando o pai irá pegar Osun da mão de Okokoro
400 búfalos, 800 chifres
40 muçulmanos, 80 sandálias
100 seguidores de Sango, 200 seere
Consultaram Ifá para Lubelube (Orunmila)
Um nativo de Osogbo
Quando ele seria o hóspede na casa de Alare Ountoto
Alare Ountoto é quem corta a carne do elefante como se fosse inhame
É quem cozinha um pedaço grande de carne de elefante
Na história de Idin ileke, Alare Ountoto era o Baale (chefe) da cidade de Osogbo, ele chamou Orunmila para consultar sobre a paz e prosperidade de sua cidade. Orunmila consultou para Alare Ountoto, indicou a necessidade de fazer ebo, Alare o fez e pouco tempo depois todos as orações de Orunmila foram manifestadas.
Foi grande a reputação de Orunmila por esse fato, até que um dia Osun foi até a casa de Alare Ountoto para consultar Ifá com Orunmila. Orunmila consultou e falou para Osun que seu problema era não ter filhos, e que isso acontecia pelos trabalhos que fazia seu marido. Para que ela pudesse ter filhos, deveria abandonar seu marido. Osun ficou apaixonada por Orunmila, e decidiu seguir as orientações de Ifá. Neste tempo Orunmila seguia na cidade e Osun escapou da casa de seu marido e foi até seu encontro, Orunmila protegeu a Osun, e ficaram juntos. Em poco tempo Osun ficou grávida de Orunmila, mas os problemas começaram a aparecer, já que Okokoro começou a fazer guerra à Orunmila. Okokoro era um Onisegun muito forte, e ele estava convencido que poderia vencer Orunmila.
Orunmila por outro lado, sabia que Okokoro viria encontrá-lo para brigar com feitiçaria. Orunmila se protegeu e fez ebo, quando Okokoro chegou, só encontrou uma parede de pedra, e começou a lançar medicina perigosa contra a parede. Em certo momento Orunmila ordenou que ele se transformasse em uma torrente de água, e assim foi, até hoje em dia o Rio leva seu nome, Odo Okokoro.
Logo do desaparecimento do marido de Osun, Orunmila se casou com ela, e tiveram muitos filhos. Desde aquele dia, quando Orunmila vai a outras cidades para levar Ifá, quem fica cuidando da casa de Orunmila é Osun.
Muitas pessoas pensam que Osun é oriunda da cidade de Osogbo, mais o certo é que ela vem da região de Ekiti numa cidade chamada Igede. A história conta que logo que o rei Ake dessa cidade morreu, os 16 filhos dele tiveram muitas disputas para suceder o pai. Foi nesse momento, depois de muitas guerras internas, que o culto de Osun emigrou da região. Nesse trajeto, no que hoje é Osogbo, Osun encontrou uma comunidade recém assentada na margem do rio que necessitava assistência contra invasões Fulanis. Foi ali que começou a história do pacto entre a divindade e o Rei Laaro, primeiro ataoja de Osogbo. Nesse pacto Osun ajuda o rei Laaro, e ele promete render culto e proteger a Osun.
Até os dias de hoje esse acordo continua e é rememorado no festival anual de Osun da cidade de Osogbo, sem dúvidas o festival de Òrìṣà mais populoso e famoso do mundo. Mas isso não significa que Osun seja uma divindade autóctone dessa cidade. Como muitos outros Òrìṣà, Osun foi muito famosa fora de seu lugar de origem, mais a fonte original chamada de Elemi, é onde nasce Osun, a cada festival em Osogbo, os primeiros rituais são feitos nessa fonte, pelos principais sacerdotes de Osun em Osogbo.
Osun também é muito conhecida em outras cidades, como Iponda, Ede, Ijumu, Ido e muitas outras. Seu culto não é muito diferente de cidade a cidade, tem algumas variações, mais não grandes diferenças, poderíamos dizer que é um dos cultos mais uniformes, que apresenta menos divergências.
Um fato importante a se esclarecer sobre Osun, é a confusão sobre ela usar ouro. Isso não procede de um ponto de vista tradicional, já que para aquela época o metal mais valorizado era o bronze, isso pode ser constatado em vários Odu Ifá.
Mas só para citar um exemplo podemos analisar o verso do Odu Okanran Nikandi que diz assim:
Okan ni o ro seke lebu
Ese kan ni o ko giri jana
A día fun Ide
Eyi ti n se ore Osun
Ebo ni won ni ko se
O gbebo nibe o rubo
Ero ipo
Ero Ofa
Ohun ti ide bari ni Osun o gba
Tradução:
O coração não tem costume de ficar paralisado
Uma perna só não faz barulho para caminhar
Eles consultaram para Ide (Bronze)
Aquele que é o amigo de Osun
Aconselharam fazer ebo
Ele ouviu e o fez
Peregrinos de ipo
Peregrinos de Ofa
Será o bronze o único que sempre Osun levara
Como é visto no verso de Okanran Nikandi, o único que Osun gosta de levar é o bronze, elemento indispensável no culto, símbolo de riqueza e prosperidade, além de representar um gosto estético refinado. É uma questão que envolve muito o culto por vontade do próprio Òrìṣà, é bem sabido que principalmente as mulheres seguidoras de Osun tem como habito no dia a dia se arrumar para ficar esteticamente atrativas, assim mesmo como Osun era em sua passagem pelo mundo.
Como fala parte de seu Oriki:
Yeye mi olowo Aro
Yeye mi elese osun
Yeye mi ajimo roro
Yeye mi abimo ma yanku
Yeye mi alagbo awoye
Tradução:
Minha mãe com as mãos pintadas de índigo
Minha mãe com os pés pintados de Osun (Pó vermelho)
Minha mãe que sempre está arrumada
Minha mãe cujo filho nunca morre
Minha mãe, a proprietária de uma medicina poderosa
“Oore yeye Osun
Eni ti o gbo mi ati isoro aye mi
Omi re gbe lo”
Minha mãe bondosa
Quem me ouve e os problemas da minha vida
Com sua água os leva
Que Osun nos bendiga a todos
Akogun Fasola
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AWODIRAN; A. Ifá Ohun Ijinle Aye
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Alberto da Costa e Silva
“Não me pergunte o que Ifá está fazendo por você sem que você saiba me dizer, o que você está fazendo pelo Ifá!”
Olúwo Ifábaíyin Awolola Agboola